Categorias: Neuropediatria

Você sabe lidar com as frustrações do seu filho?

Leia a entrevista com o neuropediatra Fábio Agertt e descubra se você está no caminho certo.

Quando a criança começa a ter frustrações?

Dr. Fábio: A criança começa a ter frustrações desde que nasce. A primeira coisa que a criança faz quando nasce é chorar, pois estava numa zona de conforto, num lugar ótimo – que é o útero da mãe – e sai para um local com luz, barulho, frio. No começo, a criança só consegue manifestar a frustação através do choro. Ela não tem racionalidade para julgar o que é bom e o que não é, vai mais pela emoção, por isso quando uma necessidade ou um desejo não é atendido ela se frustra.

É normal a criança ter atitudes agressivas ao se sentir frustrada?

Dr. Fábio: Existem situações que, na verdade, não são agressivas, são chamadas de assertivas. A criança quer reforçar o desejo ou a vontade dela. Ela tem que convencer, tem que ir contra a autoridade. Desde o início, o pai, a mãe ou quem cuida da criança impõe a sua autoridade para proteger dos perigos, para dizer quando é a hora de fazer alguma coisa. A criança, às vezes, não aceita e reage enfrentando. Então, ser do contra, ser opositor, é normal. Vale ressaltar que a criança pode bater e até machucar, mas não com o intuito de se vingar ou de provocar uma lesão. A agressividade da criança, nesse momento, é se defender ou defender o ponto de vista dela.

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Como os pais podem agir nessas situações?

Dr. Fábio: Quando a criança se opuser ou mesmo for agressiva a reação dos pais pode até fortalecer esse comportamento. Por exemplo, a criança quer uma coisa e os pais dizem que não. Ela grita os pais dizem que não, depois ela bate no pai ou na mãe e ganha o que queria. O que a criança aprende? Que precisa intensificar cada vez mais a atitude para conseguir o que quer. O importante é que os pais não cedam. Claro que é necessário tomar cuidado para não entrar em conflito toda hora. A criança quer chocolate e o pai responde “só porque você pediu não vai ganhar chocolate”. Melhor dizer “não é hora de comer chocolate”, “vamos comer outra coisa”, “vamos brincar”.

O caminho é não reforçar, não entrar em conflito, mas ao mesmo tempo não ceder, tem que aprender a contornar a situação. E se é algo que não pode, não pode mesmo. Com calma, os pais dizem que não pode, explicam o motivo. Geralmente, é necessário explicar várias vezes. E quando a criança se frustra, chora e fica brava é importante que os pais tentem fazer a criança entender porque ela está chorando, pois o sentimento de frustração é normal e é bom. A criança precisa se frustrar, senão começa a achar que tudo na vida vai ser como ela quer. Ela precisa, aos poucos, aprender a lidar com a frustração e evoluir para aquilo que a gente chama de resiliência, que é a capacidade de tolerar o estresse, de entender porque ficou triste e o que fazer para melhorar.

Podemos considerar que essa postura dos pais deve ser contínua?

Dr. Fábio: Sim, tudo isso é um processo contínuo de aprendizado. A criança não aprende num determinado momento. Até porque as situações que ela passa vão mudando, conforme ela cresce. A frustração de um bebê é não conseguir a chupeta, já para uma criança maior pode ser porque queria um brinquedo e o pai não deu. A frustração do adolescente é que ele queria sair de casa e o pai não deixou. O que os pais não podem esquecer é que o ser humano precisa aprender a lidar com essas perdas.

A forma como os pais agem reflete a postura dos filhos?

Dr. Fábio: Não importa quantas vezes a gente explique uma situação para a criança, ela não vai aprender tanto como se ela nos observar. Não adianta dizer que ela tem que por o cinto de segurança, se o pai não põe. Ela vai sempre copiar. É preciso dar exemplo de como agir. Se o pai briga muito no trânsito, a criança, em geral, também é uma criança que briga muito. Se ela assiste isso, aprende a reagir dessa forma. A maneira com que ela lida com as frustrações também é o que ela enxerga os pais fazendo.

Os pais têm a tendência de tentar proteger a criança das frustrações e decepções. Quando devem proteger e quando não devem fazer isso?

Dr. Fábio: A gente não recomenda que os pais provoquem situações de frustração para a criança, mas é importante entender que ela tem que passar por isso. Ela queria o brinquedo e o amigo não emprestou. Cabe aos pais explicarem que o certo é emprestar, mas que, às vezes, isso não acontece. No entanto, jamais devem tirar o brinquedo do colega ou pegar um brinquedo igual e dar para a criança. Os pais não podem atender a expectativa imediatamente. Outro exemplo: fui ao mercado com meu filho e ele quis um carrinho, mas tínhamos combinado que entraríamos rapidinho para comprar apenas uma coisa e já sairíamos. Ele ficou uns cinco minutos fazendo birra. A providência mais corriqueira é pensar “ah, esse carrinho é baratinho, vou comprar”. Mas não, o deixei chorar e a birra passou assim que chegamos de volta no carro. Essa situação já serviu como um aprendizado pra ele.

Caso a criança não consiga lidar com as frustrações, mesmo os pais seguindo a postura recomendada, o que fazer?

Dr. Fábio: Em primeiro lugar, temos que tentar entender se a criança não tem nenhum distúrbio. Por exemplo, uma criança autista pode ter uma dificuldade muito grande de lidar com frustração e, às vezes, só as orientações não serão suficientes. Em geral, o pediatra ou o neuropediatra conseguem ajudar a estabelecer se a criança tem uma doença ou se faz parte do processo normal. Em alguns casos, a situação demanda ajuda psicológica. Nem todas as crianças são iguais, algumas são mesmo mais difíceis. O segredo está na insistência. É um processo longo que tem que acontecer várias vezes para o aprendizado. A idade mais crítica é entre dois e três anos, depois a tendência é melhorar. Além disso, é extremamente importante que todas as pessoas que cuidam da criança tenham a mesma conduta.

Neurológica

Centro Médico de Neurologia e Neurocirurgia.

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