Você já ouviu falar em Transtorno Alimentar Repetitivo/Evitativo (TARE)? Então, como o próprio nome diz, trata-se de um distúrbio alimentar onde pessoas não conseguem experimentar novos alimentos, e repetem sempre as mesmas comidas, texturas, sabores ou mesmo cores dos alimentos.
– Doutor, meu filho é muito chato para comer! Só come arroz com batata palha!
– Doutor, meu filho só come comida pastosa!
– Doutor, meu filho só come macarrão sem molho ou arroz puro ou pão seco. Iogurte só de morango! Suco? Só de uva! Carne? Só de frango, e grelhada! Fruta? Nem pensar. Banana ele tem nojo da textura, maçã ele come toda a casca ao redor.
– Doutor, meu filho evita olhar para o prato de outras pessoas, e se passar na praça de alimentação do shopping é capaz de vomitar!
Esses relatos contados aí em cima, são todos verdadeiros, e poderíamos passar páginas e mais páginas contando relatos inacreditáveis de restrição, seletividade e repetitividade nos hábitos alimentares, muito comum em crianças, mas também presentes em adolescentes e adultos.
Os transtornos alimentares na infância trazem uma preocupação enorme aos pais, e, em especial às mães. Muitas vezes a interação dos pais com o filho vai contribuir para o problema de alimentação, e a evitação e esquiva do alimento pela criança poderá ser interpretada como um ato de agressão ou rejeição.
O estresse à mesa é uma constante, e refeições na casa de parentes e amigos podem se transformar em verdadeiras guerras familiares, com jogos de chantagens, perseguições e caças aos culpados.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM, 5ª. Edição da Academia Americana de Psiquiatria, 2014), os transtornos alimentares são caracterizados por uma perturbação persistente na alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação. São descritos critérios diagnósticos para transtorno de ruminação, transtorno alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa, bulimia nervosa e transtorno de compulsão alimentar.
O Transtorno Alimentar Repetitivo/Evitativo (TARE), é mais comum na infância, com frequência parecida entre meninos e meninas, e caracteriza- se por uma aparente falta de interesse pela alimentação ou pelos alimentos, uma esquiva baseada nas características sensórias do alimento (cor, textura, temperatura, cheiro e forma), importante aversão ao ato de comer, e manifesta-se por fracasso persistente em satisfazer as necessidades nutricionais.
Para que se possa diagnosticar essa característica alimentar inadequada como um transtorno, ou seja, uma doença comportamental, será necessário preencher um ou mais dos seguintes critérios
1. Perda de peso significativa (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado ou atraso de crescimento em crianças).
2. Deficiência nutricional significativa.
3. Dependência de alimentação enteral ou suplementos nutricionais orais.
4. Interferência marcante no funcionamento psicossocial.
Além disso, é importante excluir questões de disponibilidade alimentos ou culturais, não deve estar associada exclusivamente à anorexia nervosa ou bulimia, e é importante analisar a presença de outras condições clínicas ou transtorno.
Indivíduos com sensibilidades sensoriais mais pronunciadas associadas ao autismo podem exibir comportamentos semelhantes.
Estima-se que 50 até 70% das crianças autistas apresentam problemas alimentares (mas nem sempre a seletividade alimentar do autista será diagnosticadas como um TARE).
A rigidez comportamental, os rituais, a dificuldade de interação social, e as alterações sensoriais contribuem muito para essa seletividade alimentar no autista. O maior problema identificado pelos pais de autistas, é a relutância em experimentar novos alimentos
A incapacidade de participar de atividades sociais normais, tais como fazer refeições com outras pessoas ou manter relacionamentos em decorrência da perturbação, indicaria uma interferência marcante no funcionamento psicossocial.
Esse transtorno deverá ser diagnosticado concomitantemente (TARE + Autismo) apenas se todos os critérios para ambos os transtornos forem satisfeitos e quando a perturbação alimentar demandar tratamento específico.
O DSM-5ª. edição cita três fatores de risco e prognóstico:
1. Temperamento: Transtornos de ansiedade, transtorno do espectro autista, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade podem aumentar o risco de transtorno alimentar restritivo/evitativo ou de comportamento alimentar característico do transtorno.
2. Ambientais: Ansiedade familiar e filhos de mães com transtornos alimentares.
3. Genéticos e fisiológicos: Doenças gastrintestinais, doença de refluxo gastroesofágico, alergias e intolerâncias alimentares, e outras doenças hormonais, cirurgias, etc.
Os problemas alimentares precisarão de uma equipe multidisciplinar atenta e experiente: psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista, médico e um suporte efetivo e comprometido da família.